sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Curso Continuado de Fitoginecologia & Fitoterapia

COMBATE NATURAL AOS MOSQUITOS EM TEMPOS DE ZIKA, DENGUE, CHIKUNGUNYA & ALL

Neem (ou Nim), árvore-maravilha

Profa. Ceci Mendes Carvalho*



            A Azadirachta indica, o Nim (muitas vezes citado, entre nós, sob a forma em inglês, Neem), é uma planta que tem apresentado tantas qualidades, em termos medicinais, como também econômicos, tem sido designada como árvore-maravilha (wonder tree), ou farmácia da natureza (nature’s drugstore)1.
            São citados cerca de cem nomes para essa planta, em revisão feita por autor com atuação no Egito e na Malasia2.
            O Nim é uma árvore perene, original do subcontinente indiano, e reverenciada há milhares de anos. É conhecida desde a pré-história. Seu nome em persa pode ser traduzido como “a árvore livre da Índia”. Conhecem-se citações sobre ele desde mais de 4000 anos atrás. Foi utilizado numa das formas mais antigas de medicina, a medicina Siddha (empregada desde cerca de 10mil anos antes de Cristo, até cerca de 4000 anos AC), entre o povo Tamil, sendo a primeira planta citada por eles, como neem ou margosa. Textos da literatura tâmil, em folhas de palmeira, têm sido bem conservados, existem hoje em bibliotecas em vários pontos do mundo (especialmente na India, Alemanha, Grã-bretanha e Estados Unidos) e, hoje em dia, com os recursos tecnológicos de fotografia e digitalização, tornaram-se acessíveis amplamente, até mesmo pela internet. Nesses textos com freqüência se descrevem plantas medicinais, incluindo não só sua descrição, como incluindo o modo de uso, proporções, partes da planta, etc.3. Em escritos sânscritos antigos é denominado por arishtha, que significa “que cura doenças”. Tem sido utilizado amplamente pelos terapeutas das medicinas ayurvédica e unani, pois, dependendo da parte utilizada da planta, tem capacidade de combater a febre, a dor, e tem várias outras atividades terapêuticas, inclusive como antimalárico e contra a lepra. È também muito eficaz como repelente de vários tipos de insetos. Estudos do formato que se faz no ocidente só se iniciaram após os anos 50, século XX4.
            O nim é uma árvore da mesma família do mogno (Meliaceae), tem crescimento rápido, e se adapta a diferentes climas, mesmo à seca (embora seja de clima tropical), tem copa densa e pode alcançar 20m de altura. Tem sido cultivada em várias partes do mundo, nas Américas, na Alemanha, e, no Brasil, foi introduzida por Belmiro Pereira das Neves, em 1993, como capaz de evitar o uso de agrotóxicos. Ele argumenta que a árvore não só pode ser utilizada na produção de pesticidas, mas também na agricultura familiar, porque oferece sombra e frutos. Tem sido utilizada em projetos de reflorestamento, em substituição aos pinheiros e eucaliptos, porque seus frutos atraem animais e sua cultura é considerada de baixo custo. Comercialmente pode ser aproveitada de vários modos, desde sua madeira, resistente e bonita, como na produção de repelentes, pesticidas e vários tipos de fármacos e cosméticos5.


Uso medicinal do nim


Leia na íntegra clicando abaixo.



            Em medicina tradicional, essa planta tem sido utilizada de várias formas, e várias partes dela (casca, folhas, frutos, etc) com finalidade curativa. Por séculos seus galhos foram aplicados na limpeza dos dentes, e a planta foi empregada para tratar febres, como tônico, antiinfeccioso, e inclusive contra dengue. Também foi usada como desinfetante e repelente de insetos, até mesmo dentro de armários ou de livros. Pesquisadores atuais, de fato, confirmaram várias de suas ações, justificando o nome de ‘planta-maravilha”3.
            Foram isolados do nim cerca de 150 diferentes compostos químicos com atividade farmacológica, presentes em proporções diferentes conforme a parte da planta utilizada e também dependendo do método de extração. Todas as partes dessa planta apresentam potencial terapêutico, e foram utilizadas na medicina tradicional. A sua utilidade foi descrita em maior proporção quanto às suas folhas. Em revisão, encontram-se citações dessa capacidade terapêutica como imunomodulatório, antiinflamatório, hipoglicemiante, antiulceroso, antimalárico, antifúngico, antibacteriano, antiviral, antioxidante, antimutagênico, anticarcinogênico. Os autores chamam essa folha de ‘tesouro’ e declaram enfaticamente a necessidade de amplificar os estudos, visando desenvolvimento de novos medicamentos6.
            
             -Antibacteriano

O óleo de nim demonstrou atividade antibacteriana em estudos in vitro3. Em avaliação de seis diferentes pastas de dentes feitas com produtos herbáceos, aquela com nim na sua composição revelou-se altamente eficaz contra os germes pesquisados (Streptococcus mutans e Actinobacillus actinomycetemcomitans)7 Um medicamento feito a partir de folhas de nim, comercializado na Nigeria, demonstrou várias atividades terapêuticas, destacando-se como antimalárico, no combate ao HIV e ao câncer8. Defende-se a ampliaçãoda pesquisa de antimaláricos entre várias plantas, cuja ação já foi descrita, incluindo-se entre elas o nim, pois os antimaláricos disponíveis até o momento são, de fato, derivados fitoterápicos, e há várias plantas muito promissoras a serem estudadas e aproveitadas9.


-Antiparasitário

            Revisão demonstra a atuação de vários recursos vegetais, incluindo o nim, tanto in vitro, como in vivo, Quanto à A. indica, estudos in vitro demonstraram atividade extraordinariamente boa, citada pelos autores como tão boa como a de novas drogas sintéticas, que eles acreditam levará ao desenvolvimento de medicamentos menos tóxicos, mais baratos e facilmente obteníveis10.


-Antiviral


          Alguns estudos demonstraram atividade in vitro contra hepesvirus, vírus da poliomielite e outros3. Como já mencionamos, revisão sobre medicamento produzido na Nigeria demosntrou sua atividade contra HIV/AIDS8.

-Em doenças sexualmente transmitidas


       Entre outros relatos de atuação do nim sobre doenças sexualmente transmissíveis, destaca-se sua eficácia contra Neisseria gonorrhoeae3.
            
           - No sistema imune
       
         Há estudos demonstrando que a azadiractina, composto do nim, atua sobre o fator de necrose (TNF) inibindo as respostas induzidas por ele. E também sobre atividade do ácido retinóico3.


-Antiinflamatório
       
       Com produtos das folhas observou-se ação antioxidante e protetora sobre o dano oxidativo, tanto no DNA, como em células sanguíneas3.

-Antineoplásico

           Produtos oriundos do nim demonstraram-se capazes de atuar de várias formas sobre as neoplasias, como na ação citotóxica e sobre as ligações do DNA, na indução de apoptose e sinalização das linhagens cancerosas, em alguns tipos de câncer, como os de mama, de pâncreas, de próstata3. Revisão sobre o potencial antineoplásico do nim descreve seu papel protetivo, tumor-supressivo, imunomodulatório, indutor da apoptose e com mecanismos moleculares. Destaca a necessidade de estudos o quanto antes, pelo fato de ser muito promissor1. Há estudos com várias substâncias do nim, entre elas a azadiractina e o nimbolide, comprovando sua atuação em diversos mecanismos antineoplásicos.A conclusão é que o nim é muito promissor, porém os estudos todos são de pesquisa básica, e a carência de estudos clínicos é um obstáculo que precisa ser superado11. Outra revisão, abordando somente o nimbolide, descreve sua ação inibindo a proliferação e mesmo metástases de alguns tipos de câncer, relatando mecanismos moleculares de ação, e reitera, nas suas conclusões, que há necessidade de estudos in vivo e estudos clínicos12.

-Em doenças de pele

       O óleo de nim tem demonntrado utilidade no tratamento de acne, de psoríase, de parasitoses dermatológicas, e tem sido utilizado na formulação de diversos cosméticos3.

-Em doenças digestivas

            Conhecido, na medicina ayurvedica, como agente terapêutico para diversos  distúrbios digestivos, tem-se encontrado demonstrações, em estudos mais recentes, de ação protetora do estômago, eliminação de toxinas e mesmo de bactérias3. Revisão discute que, embora existam drogas bastante potentes e eficientes para controle desses problemas digestivos, elas não são desprovidas de riscos, e sempre há interesse em pesquisar outros produtos, entre os quais os fitoterápicos podem ter um lugar destacado. E, entre eles, o nim. Relatam estudos em animais e inclusive estudos clínicos, demonstrando que o extrato da casaca do nim tem grande potencial no desenvolvimento de medicamentos para o controle da hiperacidez  e úlcera gástricas13.


-Antiparasitário
        
        Historicamente tem sido usado para tratamento de ecto e de endoparasitas. Alguns estudos recentes sugerem que atue sobre o sistema hormonal deles, truncando seu ciclo biológico, e também tem sido mencionado como eficiente repelente, especialmente contra anofelinos3.


-Antidiabético
         
            Na medicina tradicional há várias referências de uso do nim no tratamento de diabete. Em estudo sobre sua atuação molecular, a azadiractina demonstrou eficiência contra a atuação da enzima PEPCK (fosfoenolpiruvato carboxiquinase), implicada no mecanismo de resistência a insulina da doença. Os autores acreditam que essa atuação mereça maior número de pesquisas, na intenção de desenvolvimento de novos medicamentos14.

-No controle da fertilidade
     
        Muitas plantas, historicamente, foram empregadas na tentativa de controle da fertilidade. Em revisão sobre várias plantas, o nim , utilizado em ratos demonstrou a capacidade de danificar as células reprodutivas e os canais seminíferos. Esse efeito reverteu-se após 42. dias. Quando utilizada a azadiractina, não se observou esse efeito danoso. Assim, a azadiractina deve ser mais vantajosa que o extrato de nim, no uso prático de controle de pragas. Os autores procuram explicar o mecanismo de ação das plantas, atuando sobre atividades moleculares, afetando a esteroidogênese15. O nim tambem é utilizado, na medicina ayurvedica, para regularização da fertilidade feminina, por provável mecanismo oxidativo, induzindo apoptose nos oocitos16. Outra revisão discute estudos em ratos, em que se observou a redução da espermatogênese. Concluem que as várias plantas estudadas, entre elas o nim, têm potencial que poderia ser utilizado no desenvolvimento de novos medicamentos úteis no controle da fertilidade17.Os autores discutem o mecanismo de ação neste caso.

            O nim em ginecologia
         
       Revisão sobre o uso do óleo extraído das sementes dessa planta refere inúmeras propriedades. Entre as aplicações no âmbito da ginecologia e obstetrícia, relatam-se várias: como contraceptivo intravaginal, no tratamento de infecções vaginais e leucorréia, na dismenorréia, e mesmo como emenagogo, ou seja, de provocar o sangramento após o atraso menstrual, o que remete a sua ação abortiva. Além de, cicatrizante, poder ter utilidade no pós-operatório, especialmente em feridas cirúrgicas de difícil cicatrização2

            O nim como repelente de artrópodes indesejáveis
         
      Autores brasileiros, em estudo realiado há mais de 20 anos, demonstraram que a azadiractina possui a capacidade de inibir a proliferação de Trypanozoma cruzi, o causador da doença de Chagas, no vetor dele, ou seja, nos triatomídeos. E que isso ocorre mesmo com uma única dose da azadiractina. Ao momento do estudo,não havia aplicação prática19. Outros pesquisadores, mais recentemente, comentam que muitos estudos foram feitos, na pesquisa de produtos naturais atuantes sobre ecto e endoparasita, mas que o Segundo passo, ou seja, o desenvolvimento de produtos comerciais, não foi realizado, perdendo-se o esforço despendido. Descrevem o uso tradicional de nim e de Vitex agnus-castus n a agricultura, veterinária e prevenção da saúde, em que essas plantas demonstraram capacidade de repelir vários artrópodos. O extrato do nim foi utilizado em várias diluições, em xampus e loções aplicadas em animais, comprovando-se não só ser muito eficaz, mas também sem efeitos adversos para a pele20..Esses autores,em outro estudo, descrevem a atividade de produtos comerciais com nim relatando sua eficiência sobre vários desses artrópodos,  e mesmo sobre as larvas de algumas espécies deles, em diferentes concentrações, e diferentes aplicações21.

            Nim: benéfico ou maléfico?
            
         O nim tem sido considerado uma árvore cheia de vantagens, que pode resolver alguns problemas da humanidade. Com a destruição de recursos naturais que podemos observar, conseqüente ao desenvolvimento e crescimento humano, é vital encarar soluções para restauração do meio ambiente, a fim de evitar graves conseqüências em futuro breve. O nim pode prover soluções, pois é adequado ao reflorestamento, adapta-se bem a clima diferente daquele seu original, e é fonte de madeira, de substâncias químicas importantes para a saúde e mesmo para a indústria, com cultura de baixo custo. Até mesmo a sua torta (material restante após a extração do óleo) tem utilidade como adubo orgânico rico em nitrogênio, potássio, enxofre, etc. Sem contar as inúmeras aplicações (muitas delas ainda não exploradas) em medicina e veterinária5
       No entanto, ambientalistas alertam sobre riscos trazidos pelo nim. No Brasil, foi introduzido em áreas de caatinga, foi utilizado como alternativa para a arborização urbana e rural, para reflorestamento e quebra-ventos. No entanto, deve ser considerada planta invasora, justamente pela sua grande adaptabilidade e resistência, afetando o bioma, por alterar a fauna e a flora da região. Considera-se que possa, em curto espaço de tempo, afetar seriamente, e até extinguir, espécies características e naturais da região. Como é um repelente natural, pode prejudicar seriamente a polinização das plantas dependentes dos insetos por ele influenciados. Como tem propriedades abortivas, pode causar diminuição da população animal, mesmo de pássaros, que se tornam estéreis. Pode empobrecer a terra, pelo fato de alimentar-se de microorganismos do solo, e também pela possibilidade de contaminação de águas. Esses ambientalistas conclamam a medidas governamentais regulando seu cultivo, ao contrário do que vem acontecendo, em que há mesmo incentivo à disseminação do nim22, 23.  Também no Sudão observou-se que em áreas plantadas com nim outras espécies naturais desapareceram4.          


*Dra. Ceci Mendes Carvalho é Doutora em Ginecologia e Assistente da Clínica Ginecológica do HCFMUSP, especialista em Fitoterapia. 


Referências bibliográficas

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2- Koriem KMM-Review of pharmacological and toxicologyical effects of oleum azadirachti oil. Asian Pac J Trop Biomed 2013; 3(10): 834-40
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4- Veitch GE, Boyer A, Ley SV- The azadirachtin story. Angew Chem Int Ed 2008; 47: 9402-29
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