segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O IMPACTO GLOBAL DAS DOENÇAS – Estatísticas da Saúde Global

A qualidade das ações de saúde está baseada, em grande parte, nas estatísticas das doenças. 

Qualquer sistema de saúde efetivo precisa disso para que possa direcionar ações, educação, investimentos e mesmo formatos que devam ser seguidos.

À parte as estatísticas locais, de cada país, que, se adequadamente alimentada por sistemas de coletas de dados fidedignos, são as mais importantes localmente, no mundo, a Organização Mundial de Saúde e o Banco Mundial tem lançado alguns estudos a respeito desse assunto (os chamados Global Burden of Diseases- GBD). 

Esse tipo de dados consolidados não estavam disponíveis antes dos anos 90, excetuando estudos de mortalidade exclusivamente desde a década de 70.  
O primeiro estudo GBD teve início em 1991 gerando resultados dos anos 90 (década), inclusive com algumas revisões. Hoje os dados permitem uma comparação entre resultados classificados como 1990, 2005 e 2010. 

O último estudo, depois de várias revisões intermediárias no período de tempo, envolve os dados de 187 países, através de centenas e centenas de investigadores de 21 áreas epidemiológicas do mundo. Cobre uma lista de 291 doenças e agravos de saúde e 67 fatores de risco. 

Além do rank das doenças e causa de morte, alguns indicadores importantes foram acrescentados e consolidados em termos do impacto das doenças na saúde pública e individual, senão também em toda a sociedade. Esses indicadores incluem parâmetros que tratam, por exemplo, dos anos de vida perdidos por mortes prematuras. No estudo de 2010 isso foi metrificado multiplicando-se o número de mortes  pela expectativa de vida no momento da morte, numa população de referência para cada doença. O mesmo foi feito em relação ao impacto ou peso das incapacidades geradas pelas doenças e também por sintomas importantes e de larga prevalência, como por exemplo a lombalgia, dor cervical, depressão, osteoartrite e sintomas ansiosos, entre outros. 

No caso das incapacidades geradas foi criado um indicador métrico denominado DALY (“disability-adjusted life-years”) representando os anos de "vida saudável" perdidos em razão da incapacidade determinada  pela doença ou agravo.

Globalmente, os números melhoraram muito pouco entre 1990 e 2010 e ainda são bastante sombrios. Em 1990 a estimativa era de 2497 milhões de DALYs que baixaram para 2482 milhões em 2010. No rank das doenças há alguns dados muito interessantes e emblemáticos.

Para 1990, abaixo temos a lista das 10 principais doenças e seu respectivo DALY (números em milhares):

1-   Infecções respiratórias baixas  (206.461)
2-   Diarréia (183.543)
3-   Complicações recém nascidos prematuros (105.965)
4-   Doença isquêmica cardíaca (100.455)
5-   Acidente vascular cerebral (86.102)
6-   Doença pulmonar obstrutiva crônica (78.298)
7-   Malária (69.141)
8-   Tuberculose (61.256)
9-   Desnutrição (60.542)
10- Encefalopatia neonatal (hipoxia/trauma de parto)  (60.604)

Já em 2010 as 10 principais causas estão abaixo com seus respectivos DALYs (entre parênteses em milhares):

1-   Doença isquêmica cardíaca  (129.795)
2-   Infecções respiratórias baixas (115.227)
3-   Acidente vascular cerebral (102.239)
4-   Diarréia (89.524)
5-   HIV-AIDS (81.549)
6-   Malária (82.689)
7-   Lombalgia (80.667)
8-   Complicações recém nascidos prematuros (76.980)
9-   Doença pulmonar obstrutiva crônica (76.779)
10- Acidentes de trânsito (75.487)

Esses dados ensejam algumas reflexões sobre o que aconteceu na “esquina” dos séculos XX e XXI. 

Em primeiro lugar a importância das infecções pulmonares (sobretudo a pneumonia) que persistiu nesses anos todos. A seguir a ascensão das doenças isquêmicas cardíacas e acidentes vasculares cerebrais,  muito provavelmente relacionados com a hipertensão arterial, tabagismo, poluição (os três primeiros fatores de risco em termos do DALY de 2010), dieta pobre em frutas, uso de álcool e alto índice de massa corpórea (IMC), entre outros fatores comportamentais. 

De resto persiste uma triste realidade da manutenção das doenças diarreicas e da malária entre as 10 mais, ainda em 2010, um desafio calcado no acesso deficiente à água tratada e saneamento básico, pelo mundo afora e o descaso do primeiro mundo pela malária, uma doença tropical. Uma das neglected diseases, que agora começam a receber a atenção de organismos internacionais, organizações não-governamentais, centros de pesquisa e indústria farmacêutica.

Essas duas últimas máculas da lista são compensadas, em parte,  pela queda vertiginosa da Desnutrição (leia-se fome), perdendo 11 posições e caindo para o 20º. lugar no rank de 2010. 

Merecem ainda numa análise inicial desses dados citarmos o peso do HIV-AIDS na saúde global, e provavelmente os esforços pelo acesso à assistência pré-natal, ao parto e ao neonato ensejado em áreas mais pobres do mundo. 

Não menos importante o reconhecimento de agravos multi-etiológicos de sintomas como as lombalgias, representando grandes fatores incapacitantes no século XXI. E especificamente nas dores lombares, também provavelmente, apareçam os hábitos de vida inadequados vida (alto IMC, fumo, postura, etc). 

Por fim, mas não menos preocupante e até alarmante o aparecimento dos acidentes de trânsito como a 10ª. causa de encurtamento dos anos de vida saudável na população mundial, sobretudo dos jovens, a despeito dos enormes avanços tecnológicos envolvidos em todos os aspectos do transporte.

Considerando as atuais 10 causas que mais impactam a saúde global, fica por conta do leitor refletir o quanto a Medicina e, por extensão mais médicos, exclusivamente, podem influir diretamente e com preponderância nas ações necessárias contra as doenças que nos afligem.

Por isso não existem doenças, existem doentes. 

Mais do que isso, a sociedade e governantes do mundo todo tem uma “lição de casa”, já de há tempos,  que não vem sendo feita a contento!

Editoria Dr. Homero Guidi


Fontes:
World Bank – Development Report 1993. Oxford University Press, 1993
Murray et al – GBD 2010 – Lancet 2012; 380:2063-6.
Wang et al – Age-specific and sex-specific mortality in 187 countries, 1970-2010. Lancet 2012; 380:2071-94.